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Domingo, 19 de Maio de 2024

Em Nova Crixás, Um Araguaia nunca visto antes



Em Nova Crixás, Um Araguaia nunca visto antes



 

 

Seca e degradação ambiental geram efeitos inéditos em determinados pontos do rio. Canal longo e largo secou totalmente em Nova Crixás (GO)

 

Segurar as lágrimas diante dos efeitos da estiagem e da degradação ambiental em alguns pontos do rio Araguaia, um dos mais famosos do Centro-Oeste, tem sido tarefa difícil para pescadores e ribeirinhos que enfrentam uma das piores secas de todos os tempos.

 

Áreas inteiras de canais longos e largos, comumente tomadas pela água e repletas de peixe, estão na terra fofa e na poeira, algo inédito, segundo a população local. Na região da Viúva, em Nova Crixás (GO), pessoas chegam a passar de carro por um dos canais do Araguaia, onde, até há pouco tempo, corria o leito do rio e só era possível sair de canoa ou barco.

 

O extremo atingido pela seca no Araguaia neste ano é o retrato da combinação fatal entre desmatamento, assoreamento, degradação de nascentes, uso irregular da água e o consequente desequilíbrio ambiental. Essas causas são velhas conhecidas de moradores da região, empresários do agronegócio e do poder público. Revertê-las, no entanto, é o que já parece impossível.

 

Para o delegado de Meio Ambiente da Polícia Civil de Goiás (PCGO), Luziano de Carvalho, que já desenvolveu projetos de recuperação de nascentes e contenção de voçorocas ao longo do rio, o Araguaia atingiu um ponto de desequilíbrio, entre o que existe de demanda e ação depredatória e o que o rio tem para oferecer.

 

“Penso nos meus netos”

 

De frente para o canal totalmente seco, na região da Viúva, o aposentado Vanderlino Caetano Lopes, de 67 anos, não contém o choro. A afetividade que ele construiu com o rio ao longo de 50 anos de viagens, pescarias e, agora, como morador da região, expressa-se, naturalmente, diante da imagem que se formou com o sumiço da água.

 

“Eu penso nos meus netos, que não vão ver o que eu já vi. Eu conheci o Araguaia quando eu tinha 17 anos. Você vinha e tinha peixe grande que não existia linha que aguentava pegar ele. Hoje você tem a linha e não tem o peixe. A degradação é uma loucura”, diz ele, emocionado.

O tempo é o que permite a comparação, aos olhos dos mais velhos, e, também, é o que acelera a preocupação de todos, independentemente da idade. Imaginar como estará o rio que atrai turistas de todo o Brasil durante a alta temporada, no próximo ano ou ao final da próxima década, é inevitável. E o cenário não se mostra positivo.

 

A reportagem do Metrópoles foi até o Araguaia na quarta-feira (22/9). No trajeto entre Goiânia e Nova Crixás, já era possível perceber os efeitos da seca e da degradação que seriam encontrados no destino final. Eles se mostraram mais graves e nítidos, à medida que se aproximava da região.

Córregos e rios menores, afluentes ou que desaguam no Araguaia, estão secando. Geralmente, nesta época, eles sucumbem à estiagem e ao forte calor, e tendem a reduzir a quantidade de água. Moradores locais, no entanto, relatam uma severidade maior do problema em 2021.

 

Alguns desses rios, conforme o verificado pela reportagem do alto das pontes na estrada, estão com o leito totalmente interrompido, sem terem para onde correr. O nível da água reduziu tanto que os bancos de areia bloqueiam o curso d’água.

Um dos pontos vistos foi no rio Isabel da Paz, no município de Araguapaz, que fica próximo a Aruanã (uma das principais cidades turísticas do Vale do Araguaia). Do alto da ponte, via-se um pneu jogado na margem do rio e um jacaré boiando solitário no que, agora, mais parece um poço, devido à paralisação da água.

 

Região seca e quente

 

O Araguaia contorna a divisa oeste de Goiás. Ele passa, justamente, por uma das regiões mais quentes e secas do estado, além de ser uma área onde o agronegócio avança, com demanda crescente de água para irrigação, registros de desmatamento e usos variados da água nos afluentes do rio.

Os recordes de temperatura no estado, nos últimos dias, vêm de cidades que compõem o Vale do Araguaia. Uma delas é Aragarças, município por onde o rio passa e que faz divisa com Barra do Garças (MT). O município chegou a registrar mais de 42ºC na última semana, e está entre as cinco mais quentes do Brasil, conforme o Instituo Nacional de Meteorologia (Inmet).

 

Irrigação e avanço da agricultura

 

Em anos recentes, a concentração de pivôs centrais aumentou no chamado Médio Araguaia, em Goiás, o que é um reflexo direto da expansão da fronteira agrícola. Composta em muito por grandes propriedades rurais e com fazendas que chegam a ter mais de 200 alqueires, a região é hoje a segunda do estado em maior quantidade de pivôs.

A cidade de Jussara, no oeste goiano, em 2013, era a sétima de Goiás que mais possuía equipamentos de irrigação instalados, conforme dados do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (IMB), vinculado ao governo estadual.

 

Dois anos depois, em 2015, conforme o monitoramento feito pelos técnicos do instituto, Jussara já era a segunda colocada em quantidade de pivôs, perdendo apenas para Cristalina, no leste de Goiás e onde fica uma das maiores concentrações de pivôs da América Latina.

Até 2017, Jussara já tinha 119 pivôs em funcionamento e mantinha-se em segundo lugar no ranking estadual. Em 2016, foi no território do município que a fiscalização ambiental descobriu o caso de um latifundiário que construiu um canal de 8 km de extensão para retirar água, ilegalmente, direto do leito do Araguaia. Ele chegava a captar até 11 mil metros cúbicos por hora.

 

Drenagem e desmatamento de nascentes

 

A situação no Médio Araguaia é considerada a mais grave pelo delegado de Meio Ambiente da PCGO, Luziano de Carvalho. O avanço das áreas de plantação e de pastagens, segundo ele, ocorre muitas vezes em detrimento de áreas que deveriam ser preservadas, como nascentes e lagos naturais, que mantêm o lençol freático do Araguaia em equilíbrio.

 

“Estamos em desequilíbrio, principalmente no Vale do Araguaia. Estamos com sérios problemas em lagos naturais, uma verdadeira tragédia. E eles estão ocorrendo numa velocidade impressionante. São casos de pessoas usando drenos nessas lagoas e em áreas brejosas, que são reservatórios de água, para secá-las e expandir pastagens e plantações. Isso é um suicídio ecológico. Se secam essas áreas, seca tudo”, diz ele.

 

Para o delegado, não existe hoje água disponível nos afluentes e no próprio rio que consiga corresponder ao tamanho da demanda. “Quero uma prova que me convença de que pode-se fazer captação de água no Araguaia, nos mananciais, nos afluentes e lagos naturais. Temos água para isso? É suficiente? Não temos”, afirma.

 

“Vai se tornar intermitente”

 

O crime contra as nascentes e em áreas de preservação no entorno dos rios é algo que Luziano denuncia há décadas. O desmatamento desses pontos é uma espécie de condenação com efeito em curto prazo, e uma das consequências diretas disso é o assoreamento do rio.

 

Sem vegetação nas margens, os barrancos ficam cada vez mais frágeis, os desmoronamentos ocorrem com mais frequência, mais areia é levada para dentro do rio, que fica cada vez mais largo e, por consequência, menos profundo. Esse é um ciclo que se vê acontecendo há décadas no Araguaia.

 

“Se continuar assim, o rio vai se tornar intermitente”, prevê Luziano. Hoje, já é possível atravessá-lo de um lado para o outro sem utilizar embarcações, até porque os bancos de areia e a pouca profundidade inviabilizam a circulação de canoas em muitos trechos. Só quem conhece bem o rio consegue trafegar.”

 

“É a revolta da natureza”

 

Na quarta-feira (22), quando a reportagem do Metrópoles chegou a uma das praias que se formou com a redução do nível de água do Araguaia, em Nova Crixás, um homem tentava construir um porto provisório, retirando areia de dentro do rio para, com isso, facilitar a saída de embarcações de pescadores. “É só Deus para nos salvar disso aqui”, dizia ele ao colega que o ajudava.

 

Adriano Alves da Silva, de 44 anos, é um ribeirinho, morador da cidade e que há 20 anos frequenta e trabalha nas margens do rio. Ele diz nunca ter visto a situação chegar ao ponto em que se encontra hoje. “Piora a cada ano. Esse canal aqui (aponta ele para o canal totalmente seco na região da Viúva), nessa época, eu passava nele, há uns anos, com água no peito. Agora, veja como está”, lamenta.

 

“É a revolta da natureza. E todo mundo sabe disso. O que o homem destruiu, jamais ele vai reconstruir novamente”, resume Adriano.

 

Fonte: Metrópoles 

Foto: Metrópoles/Divulgação 

 

 




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